Um Caminho com mais de mil anos de história

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A rota para Santiago de Compostela é, talvez, a mais antiga, mais percorrida e mais celebrada de toda a Europa. Nasce da fé e da curiosidade humana, mas também do desejo de encontro — consigo mesmo, com os outros, com o transcendente. Mas o sucesso nem sempre é fácil de gerir, e há desafios que se colocam e para os quais importa encontrar respostas, juntando entidades públicas e privadas.

A realidade portuguesa

O Caminho Português de Santiago está a viver um momento de afirmação. Cada vez mais peregrinos escolhem esta rota pela autenticidade, pela diversidade de paisagens e pelo calor humano que encontram ao longo do percurso. Essa popularidade crescente é, sem dúvida, uma boa notícia — sinal do valor do Caminho como ativo turístico, económico e cultural. Mas também traz novos desafios que importa encarar com realismo e planeamento.

A procura pelo Caminho tem vindo a crescer de forma muito significativa, sobretudo entre maio e outubro, refletindo o seu enorme poder de atração. Este sucesso, contudo, traz novos desafios: a necessidade de reforçar infraestruturas e serviços para responder a uma procura cada vez mais intensa.

Em alguns períodos, a elevada ocupação dos alojamentos e a subida dos preços tornam o planeamento mais exigente, tanto para os peregrinos como para os profissionais que trabalham no Caminho. Para as empresas de animação turística, o desafio passa por garantir reservas atempadas e manter o padrão de qualidade que o destino exige.

Também as comunidades locais sentem o impacto deste crescimento, o que reforça a importância de uma gestão equilibrada do território e dos serviços públicos, de modo a preservar a autenticidade e a hospitalidade que sempre distinguiram o Caminho.

O equilíbrio passa por uma melhor gestão dos fluxos e da capacidade instalada, de forma a preservar o que torna o Caminho tão especial: a tranquilidade, o contacto com as comunidades e a experiência autêntica. Regular, e não restringir, parece ser a palavra de ordem.

Porto, Sé Catedral. © DR

O setor privado, as autarquias e as entidades públicas têm aqui uma oportunidade de cooperação — mais do que continuar a promover o Caminho, é tempo de cuidar dele, assegurando qualidade, sustentabilidade e boas condições para todos os que dele fazem parte. Isto implica, por vezes, assegurar condições tão básicas como casas de banho suficientes para corresponder à procura.

Porque o Caminho Português de Santiago é muito mais do que uma rota: é um símbolo de encontro e partilha, e uma porta de entrada para descobrir o melhor de Portugal e da Galiza. Crescer com equilíbrio é o desafio, mas também a chave para garantir que este património humano e cultural continua vivo e inspirador para as próximas gerações.

É necessário, para isso, que sejam tomadas medidas para garantir que o Caminho não perde o seu brilho:

  • Uma gestão sustentável é essencial — regular o número de visitantes, educar para o respeito ambiental e preservar o património histórico são passos decisivos. O uso de tecnologias digitais pode enriquecer a experiência dos peregrinos, sem comprometer a autenticidade dos lugares sagrados;
  • É também fundamental envolver as comunidades locais, para que o turismo seja fonte de desenvolvimento equilibrado e mantenha viva a alma do Caminho. A diversificação da oferta, com propostas culturais, gastronómicas e de bem-estar, pode ajudar a atrair novos públicos e a distribuir fluxos ao longo do território.

Alguns números

Os dados oficiais disponibilizados pela Oficina del Peregrino, mostram um constante crescimento do número de peregrinos, nas últimas duas décadas, acautelada a exceção dos anos de pandemia:

Chegámos assim, em 2025, no final do mês de outubro, a mais de 514 mil peregrinos, ultrapassando já o total de 2024 (499.177). Relativamente aos diferentes Caminhos, o Francês, o Português e o Português da Costa constituem o top 3 dos mais procurados:

E se olharmos para a origem destes turistas, Espanha destaca-se, com 222.628, seguida por Estados Unidos, 42.686, Itália, 25.966, Alemanha, 23.778, e Portugal, 22.101:

Caminho Português

Em 2024, o Caminho Português de Santiago registou 95.495 peregrinos, um aumento de cerca de 7,6% face a 2023, quando foram contabilizados 88.729. Este crescimento reforça a posição do Caminho Português como um dos itinerários mais relevantes neste contexto.

O número de peregrinos espanhóis passou de 31.734 para 35.120, representando 37% do total, enquanto os peregrinos de outras nacionalidades aumentaram de 55.936 para 60.369, confirmando a crescente atratividade internacional desta rota.

Entre os principais mercados emissores em 2024 destacam-se Espanha (36,8%), Portugal (12,8%) e Estados Unidos (7,3%), seguidos por Alemanha e Itália. Estes dados demonstram uma presença expressiva de peregrinos ibéricos, mas também um forte interesse de fora da Europa, sobretudo do mercado norte-americano, que continua a crescer de forma consistente.

Embora o volume total de peregrinos tenha aumentado, a quota relativa do Caminho Português no conjunto dos Caminhos de Santiago diminuiu ligeiramente, de 49,71%, em 2023 para 47,36%, em 2024, o que indica um crescimento mais acelerado noutros percursos, como o Francês ou o Primitivo. Ainda assim, os dados de 2024 refletem uma trajetória de consolidação e dinamismo, com o Caminho Português a afirmar-se como uma das rotas mais procuradas e diversificadas em termos de origem dos peregrinos.

Caminho Português da Costa

Em 2024, o Caminho Português da Costa recebeu 74.754 peregrinos, um aumento expressivo de cerca de 41,7% face a 2023, quando se registaram 52.757. Este crescimento confirma a rápida ascensão desta rota como uma das mais dinâmicas e procuradas.

O número de peregrinos espanhóis passou de 11.750 para 15.700, representando 21% do total, enquanto os peregrinos de outras nacionalidades aumentaram de 40.418 para 59.052, reforçando a vocação internacional deste percurso.

Entre os principais mercados emissores, em 2024, destacam-se Espanha (21%), Alemanha (11,6%) e Estados Unidos (11,2%), seguidos de Itália e Portugal. Estes dados mostram um perfil fortemente internacional, com predominância europeia, mas também uma presença significativa de peregrinos norte-americanos, confirmando a expansão global do Caminho Português da Costa.

Apesar de uma ligeira redução da sua quota relativa entre os vários Caminhos, o aumento absoluto de peregrinos demonstra a forte expansão desta rota atlântica, que se afirma cada vez mais como alternativa popular ao Caminho Central, destacando-se pela atratividade paisagística, identidade costeira e diversidade geográfica dos caminhantes.

Se voltarmos agora o olhar para o impacto económico, dados de 2023 indicam que o impacto económico gerado pelos 123.800 peregrinos que em 2022 percorreram os dois Caminhos portugueses certificados, o Central e o da Costa, rondou os 16 milhões de euros. O investigador Melchor Fernández, autor do estudo, em declarações aos jornalistas depois da apresentação deste documento, resultado do projeto de cooperação transfronteiriça ‘Facendo Caminho’, explicou que este montante correspondia a 6% do impacto económico total gerado pelos 438 mil peregrinos que naquele ano chegaram a Santiago de Compostela.

Um outro estudo, levado a cabo pela Universidade de Santiago de Compostela, em 2021, mostrou que o impacto económico do Caminho na Galiza era superior a 280 milhões de euros por ano, beneficiando especialmente setores como a hotelaria e a restauração.

Sobre a procura

Num documento elaborado pela agência Caetsu, é interessante observar alguns comportamentos do lado do consumidor dos Caminhos, e desde logo perceber em que países se fazem mais pesquisas sobre os Caminhos de Santiago:Fonte: bloom-consulting

Quando o parâmetro é a faixa etária, destaca-se o facto de ser em Espanha que os mais jovens revelam um interesse maior pelos Caminhos:Fonte: bloom-consulting

“O Camino Que Nos Une”: um novo passo em conjunto

Barcelos acolheu, a 13 de dezembro de 2024, o primeiro Congresso Internacional “O Camino Que Nos Une”, que reforçou a cooperação entre o Turismo do Porto e Norte de Portugal e o Turismo da Galiza, no âmbito do Cluster do Turismo da Euroregião.

O encontro reuniu especialistas e decisores para refletir sobre a gestão sustentável do Caminho de Santiago, a preservação do seu património e a importância de estratégias de promoção inovadoras.

Luís Pedro Martins, presidente do TPNP, sublinhou na altura que a prioridade é “ter uma estratégia conjunta para desenvolver até 2030, assente nos produtos com maior capacidade de internacionalização, com especial destaque para os Caminhos de Santiago, procurando iniciativas que acrescentem valor ao produto”.

Cinco Caminhos, um mesmo destino

Desde o século IX, quando o túmulo do apóstolo Santiago Maior teria sido descoberto na Galiza, múltiplas rotas começaram a traçar-se em direção a Compostela. Caminhos de fé e de encontro, de cultura e de património, que atravessam séculos e fronteiras, ligando povos, línguas e crenças. No Porto e Norte de Portugal, coração da identidade jacobeia portuguesa, irradiam cinco itinerários oficiais que conduzem o peregrino a Santiago: o Caminho da Costa, o Caminho Central, o Caminho Interior, o Caminho de Torres e o Caminho Minhoto-Ribeiro. Cada um com a sua paisagem, as suas lendas, o seu ritmo — todos unidos por um mesmo espírito de peregrinação e descoberta.

Caminho de Santiago. © DR

1. Caminho da Costa – 138 km de mar e memória

Do Porto até Valença, o Caminho da Costa percorre terras de mar e de sal, de história e hospitalidade: Matosinhos, Vila do Conde, Esposende, Viana do Castelo, Caminha. Aqui, o peregrino é acompanhado pelo som das ondas e pelo acolhimento das gentes. Conta-se que foi na praia das Bouças, o antigo nome de Matosinhos, que terá ocorrido o encontro milagroso entre o “Cavaleiro das Conchas” e o barco que transportava o corpo do apóstolo — nascendo assim a concha de vieira como símbolo jacobeu. O trajeto cruza territórios ligados à Ordem dos Cavaleiros Hospitalários, que desde o Mosteiro de Leça do Balio acolhiam peregrinos e reis a caminho de Santiago.

2. Caminho Interior – 214 km de autenticidade e superação

De Viseu a Chaves, passando por Lamego, Peso da Régua e Vila Real, o Caminho Interior é um desafio ao corpo e à alma. Entre vales e socalcos do Douro, vinhas e oliveiras, o peregrino encontra o silêncio das serras e a força da tradição. Considerado o mais antigo caminho de peregrinação de longo curso em Portugal, de origem medieval, atravessa 108 paróquias e oferece paisagens de excecional beleza. É também um dos cinco itinerários propostos para reconhecimento pela UNESCO como Património Mundial.

3. Caminho Central – 178 km de fé e património vivo

É o mais percorrido em território nacional, ligando Oliveira de Azeméis ao Porto e daí a Valença, por entre quintas, solares e aldeias que guardam o pulsar do Norte. Aqui, o Caminho cruza o passado e o presente — da Igreja de Rates, onde repousa o primeiro bispo de Braga convertido por Santiago, aos centros históricos vibrantes de Barcelos e Ponte de Lima. Foi neste percurso que se criou o primeiro albergue moderno de peregrinos em Portugal, símbolo da hospitalidade que continua a distinguir o Caminho Central.

4. Caminho de Torres – 234 km de espiritualidade e arte

Com nome em homenagem ao escritor e peregrino Diego de Torres Villarroel, este itinerário percorre o coração histórico e artístico do país, de Sernancelhe a Valença. Ao longo de seis catedrais e quatro sítios classificados como Património Mundial da UNESCO, o Caminho de Torres conduz o viajante por paisagens deslumbrantes e cidades de alma barroca como Amarante e Braga. É também um percurso de profunda devoção: em Sernancelhe encontra-se a mais antiga escultura do apóstolo Santiago em Portugal, e nas antigas albergarias e mosteiros revive-se a história da hospitalidade jacobeia.

5. Caminho Minhoto-Ribeiro – 123 km de natureza e tradição

Com início em Braga, antiga Bracara Augusta, o Caminho Minhoto-Ribeiro segue pelo coração verde do Minho, atravessando Ponte da Barca, Arcos de Valdevez, Monção e Melgaço, até alcançar a Galiza. O peregrino percorre trilhos romanos e caminhos rurais entre montes e vinhas, passando por castros, termas e monumentos ancestrais. Aqui, a natureza, o termalismo e o vinho fundem-se numa viagem sensorial e espiritual, que celebra as raízes mais autênticas da cultura do Noroeste peninsular.

Cinco caminhos, cinco formas de viver o mesmo espírito. Cinco rotas que, partindo do Porto e Norte de Portugal, continuam a conduzir milhares de peregrinos rumo a Santiago — entre o sagrado e o humano, entre o passado e o presente, sempre com o olhar posto no horizonte.

Para facilitar a informação aos peregrinos, o Turismo do Porto e Norte organiza e disponibiliza ampla informação online, com indicações sobre os Caminhos, o que fazer, onde ir, informações úteis, etc. O mesmo faz a Xunta de Galicia, através de um website dedicado ao Caminho.

Uma viagem de fé, cultura e encontro ao longo dos séculos

Desde o século IX, como se disse já, a Galiza transformou-se num destino de peregrinação que atraiu reis, monges e fiéis de toda a Europa. Assim nasceu Compostela, um dos grandes centros espirituais da cristandade, ao lado de Roma e Jerusalém.

Durante a Idade Média, o Caminho tornou-se um símbolo de fé, cultura e hospitalidade — acolher o peregrino era acolher o próprio Cristo. Apesar das guerras e crises que marcaram os séculos seguintes, a devoção manteve viva a chama jacobeia.

Santiago, Catedral. © DR

Redescoberto no século XIX e revitalizado no século XX, o Caminho de Santiago é hoje muito mais do que uma rota de fé: é uma viagem interior e exterior, um património universal que continua a unir pessoas, culturas e gerações. No Porto e Norte de Portugal, o Caminho encontra uma das suas portas mais autênticas e inspiradoras.

Sabia que…? Curiosidades sobre o Caminho de Santiago

🔸 A seta amarela — Hoje um dos símbolos mais universais do Caminho, a seta amarela nasceu em 1984 graças ao padre Elías Valiña, conhecido como o cura do Cebreiro. Foi ele quem, de brocha na mão, sinalizou todo o percurso desde França até Santiago, facilitando a vida a milhares de peregrinos.
🔸 A vieira — Muito antes da seta, a concha de vieira já era o emblema dos peregrinos. No século XII, o Códice Calistino já a citava como símbolo jacobeu. Antigamente, só podia ser adquirida em Santiago, como prova de que a peregrinação tinha sido concluída com sucesso. O bairro dos Concheiros, em Compostela, nasceu precisamente da atividade dos artesãos que vendiam estas conchas.

🔸 A credencial e a Compostela — Para dormir nos albergues e obter a Compostela, certificado que atesta a peregrinação, é necessária a credencial do peregrino, que deve ser carimbada em cada etapa. É atribuída a quem percorre pelo menos 100 km a pé ou a cavalo ou 200 km de bicicleta.
🔸 Um Caminho para todos — O Caminho de Santiago é cada vez mais inclusivo. Entre 2021 e 2022, 127 pessoas em cadeira de rodas completaram o percurso, graças ao esforço contínuo de adaptação e acessibilidade. Uma prova de que o espírito do Caminho está, verdadeiramente, ao alcance de todos.

E é também assim, com mãos e vontades unidas, que o Caminho continuará a ser um símbolo de encontro, partilha e esperança.

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