Turismo de luxo em transformação: Dados, tendências e perfis do novo viajante

#Notícias

O turismo de luxo está a atravessar uma profunda metamorfose, impulsionada por novos perfis de consumidores, mudanças tecnológicas e uma redefinição do próprio conceito de luxo. O recente relatório da McKinsey, “Updating perceptions about today’s luxury traveler”, publicado em maio de 2024, oferece uma análise detalhada deste segmento, desmistificando ideias feitas e apresentando um retrato rigoroso de quem são, quanto gastam, o que procuram e como evoluem os viajantes de luxo.

O valor do turismo de luxo: Um motor económico global

O segmento das viagens de luxo representa um dos pilares mais rentáveis do turismo global. Segundo a Statista, num relatório de novembro de 2024, só o setor de viagens de luxo movimenta anualmente cerca de 1,2 biliões de euros (convertido de 1,4 triliões de dólares).

A consultora McKinsey considera que um turista do segmento de luxo gasta em média, só em alojamento, 440 euros ou mais por noite, podendo ultrapassar largamente este valor em destinos e em experiências premium. E foi ouvir mais de 5.000 destes viajantes de luxo, entre fevereiro e março de 2024 para chegar às conclusões deste relatório. O grupo de inquiridos incluía viajantes de cinco grandes mercados, todos eles representativos: China, Alemanha, Emirados Árabes Unidos, Reino Unido e Estados Unidos. Todos os inquiridos tinham feito pelo menos uma viagem de lazer nos dois anos anteriores.

Quem são os viajantes de luxo?

O relatório da McKinsey segmenta os viajantes de luxo em cinco grupos, de acordo com o seu património líquido:

  • Mass affluent: património líquido entre 91 mil e 455 mil euros.
  • Core millionaires: entre 455 mil e 4,55 milhões de euros.
  • Upper millionaires: entre 4,55 e 27,3 milhões de euros.
  • Ultra-high-net-worth individuals (UHNWIs): acima de 27,3 milhões de euros.
  • Billionaires: património superior a mil milhões de euros.

Apesar desta segmentação financeira, o estudo sublinha que o novo viajante de luxo é cada vez mais jovem e diverso. Millennials e geração Z representam já 20% deste mercado, uma percentagem que deverá crescer para 30% até 2028.

Gráfico 1. Despesas globais em hospitalidade de luxo para lazer, por idade ($ mil milhões)

Ainda de acordo com a McKinsey, alguns dos segmentos que compõem a hospitalidade de luxo estão a crescer rapidamente.

Gráfico 2. Despesas globais em hospitalidade de luxo para lazer, por segmento de riqueza ($ mil milhões)

O que procuram os viajantes de luxo?

Continuando a explorar o relatório da McKinsey, encontramos uma secção dedicada aos viajantes que aspiram ao luxo. Aqueles que podem até gastar muito acima da média em situações e em ocasiões especiais, mas não sempre ou não em todos os componentes da viagem. Acima de tudo, continuam a exigir valor pelo dinheiro que gastam e a dar atenção, por exemplo, a programas de pontos ou de fidelização. O quadro seguinte mostra-nos como essas motivações se articulam com os valores que estão dispostos a gastar.

Gráfico 3. Motivações para despesas em lazer, por segmento de riqueza (Valores gastos por noite), (% de respostas)

Destinos e experiências de eleição

Os destinos preferidos dos viajantes de luxo continuam a incluir capitais culturais como Paris, Londres, Nova Iorque e Tóquio, mas há uma tendência crescente para explorar destinos emergentes e menos massificados, como o Butão, as Maldivas, a Patagónia ou ilhas privadas no Mediterrâneo.

As experiências mais procuradas incluem:

  • Viagens gastronómicas com chefs de renome;

  • Expedições de aventura em iates privados ou safaris exclusivos;

  • Retiros de bem-estar em resorts de luxo;

  • Acesso privado a eventos culturais, galerias de arte e espetáculos;

  • Voluntariado de impacto ou experiências de “giving back".

Algumas tendências globais

Num artigo publicado na Harper’s Bazaar, em janeiro deste ano, Caroline Lewis escreve que está em alta a procura por “segundas cidades, destinos alternativos aos habituais e mais calmos,” cantos do planeta que eram habitualmente “ignorados”.

E identifica um conjunto de tendências, das quais destacamos:

"Coolcationing"

Com vários países europeus a registarem altas temperaturas nos últimos verões, cada vez mais pessoas estão a optar por férias em climas mais frios. A empresa de viagens Virtuoso refere que 64% dos seus clientes estão a alterar os planos de viagem devido às alterações climáticas, com destinos como a Antártida e a Noruega a ganharem popularidade.
Nick Van Gruisen, da The Ultimate Travel Company, concorda, identificando o "coolcationing" como uma nova tendência que coloca a tónica em locais mais frios, favorecidos pela "ausência de multidões, temperaturas mais baixas e beleza natural única".

Evitar multidões

A Virtuoso revela que 69% dos seus clientes estão a escolher o período entre as épocas alta e baixa ou as viagens fora de época, e estão a favorecer destinos com um clima mais moderado. O operador turístico Wild Frontiers prevê que os destinos mais excêntricos - da Arménia e Bolívia à Bósnia e Herzegovina, Quirguistão e Argélia – assistam a um aumento de popularidade à medida que as pessoas se esforçam cada vez mais para evitar o turismo de massas. A Wayfairer Travel refere que "as viagens com consciência ecológica que têm um impacto positivo no planeta continuarão a ser uma prioridade para os viajantes em 2025", citando os projetos de recuperação da natureza na Costa Rica ou as viagens de bicicleta pelo interior do Japão como aventuras perfeitas e saudáveis.

Viagens multigeracionais

Um relatório da Virtuoso e da Globetrender sublinhou a ascensão das “Viagens Beta XZ” como uma tendência fundamental que irá moldar as viagens de luxo em 2025, com até sete gerações a viajarem juntas.
O operador turístico de luxo Cazenove + Loyd também identificou a popularidade das viagens de celebração, quer seja um aniversário, uma lua de mel ou um casamento, registando um aumento da procura de moradias, mansões, castelos, iates e até ilhas privadas para uso exclusivo.

Viagens a solo

Curiosamente, as viagens a solo também têm vindo a ganhar popularidade desde há algum tempo.
Muitos hotéis estão a eliminar os suplementos para solteiros - e até as companhias de cruzeiros já perceberam isso, com muitas viagens a serem agora destinadas a passageiros solteiros, oferecendo-lhes ofertas, anfitriões dedicados e excursões especialmente selecionadas. A Virtuoso salienta que um cruzeiro a solo "promove o crescimento pessoal e a autossuficiência", permitindo que "os indivíduos naveguem em novas aventuras ao seu próprio ritmo, ao mesmo tempo que desfrutam da camaradagem com outros passageiros, se assim o desejarem".

Retiros de bem-estar

JOMO é o novo FOMO. O medo de perder alguma coisa parece estar fora de moda, substituído pela alegria de perder. O foco, para muitos, está agora em deixar que as coisas passem por si, enquanto se concentram apenas nas coisas que realmente querem fazer. Desligar-se da vida quotidiana, abrandar o ritmo e fazer uma viagem mais longa, se possível - abraçar estes hábitos de viagem é o antídoto perfeito para o mundo atual, cada vez mais acelerado e sempre ligado.

Em 2025, o bem-estar não se resume a estar deitado numa cama de massagens, com muitos spas a combinarem este com elementos bem mais ativos - quer seja ajudando os hóspedes a dominar os desportos mais populares, como o padel, a escalar uma montanha ou a embarcar numa caminhada junto à costa.

Viagens à medida

A Virtuoso tem notado que os seus clientes estão a substituir os destinos mais comuns da lista de desejos por locais que viram em documentários, livros, filmes e, claro, no TikTok. Procuram viagens personalizadas, elaboradas com a experiência de consultores de viagens que lhes sugerem novos locais e ajudam a criar experiências únicas e inesquecíveis.

Tecnologia, flexibilidade e exclusividade

A tecnologia é um fator diferenciador: 60% dos viajantes de luxo valorizam aplicações e serviços digitais que lhes permitam personalizar a experiência em tempo real. A flexibilidade tornou-se essencial, com uma procura crescente por reservas flexíveis, cancelamentos gratuitos e itinerários ajustáveis.

O serviço ultra-premium mantém-se como referência, mas agora aliado a valores como a privacidade, o acesso exclusivo e a discrição. Exemplos incluem transfers de helicóptero, mordomos pessoais, experiências “by invitation only” e alojamento em propriedades privadas.

Viagens de incentivo: A reinvenção do luxo e o reflexo das novas tendências

Também o universo das viagens de incentivo está a passar por uma transformação profunda, refletindo as mudanças que marcam o próprio segmento do turismo de luxo. Se antes o objetivo era proporcionar experiências inatingíveis para o comum dos mortais, hoje, num mundo onde o acesso a experiências premium se democratizou, a verdadeira exclusividade reside na personalização, autenticidade e significado das vivências. Um artigo da Skift ajuda-nos a encontrar as pistas para compreendermos o que se está a passar neste segmento, que pode aplicar-se ao que acontece no segmento de luxo.

Exclusividade reimaginada

O conceito clássico de “experiência que o dinheiro não pode comprar” está a ser redefinido. Atualmente, viagens de incentivo de sucesso não se limitam a destinos luxuosos ou a jantares sumptuosos, mas investem em momentos desenhados à medida, com uma narrativa emocional forte e memórias únicas. Os participantes, mais sofisticados e viajados, procuram sentir que cada detalhe foi pensado para si, valorizando a autenticidade e a ligação emocional à experiência.
Como refere Michelle Orlando, fundadora da agência Elevoque, ouvida pela Skift, estes participantes não se impressionam com passadeiras vermelhas ou luxo ostensivo, mas sim com momentos que parecem verdadeiramente criados para si.

Exemplos de inovação

Embora algumas empresas — especialmente dos setores dos seguros, finanças, automóvel e energia — ainda promovam viagens grandiosas e dispendiosas, são cada vez mais uma minoria. Na Land O’Lakes, por exemplo, o foco está em criar experiências memoráveis e personalizadas. Um recente incentivo num navio fretado incluiu paragens personalizadas no Mediterrâneo e terminou com um espetáculo de drones em Barcelona que contou, em imagens luminosas e música, toda a jornada do grupo — um momento irrepetível para qualquer viajante individual.

A indústria está, assim, a adaptar-se ao conceito de “experiências em camadas” — não apenas um grande momento “uau”, mas uma sucessão de surpresas, interações e autenticidade. Exemplo disso é um evento organizado pela One10, que incluiu um jantar privado com uma chef famosa da Food Network na sua própria casa. Ou ainda uma visita guiada pelo artista Neo-Pop Peter Tunney, que conduziu pessoalmente um grupo pela sua galeria em Miami e pelo complexo Wynwood Walls, partilhando histórias pessoais que cativaram os participantes.

A Elevoque também criou recentemente um programa para uma marca de bem-estar, em que 200 premiados visitaram os campos onde crescem os ingredientes dos seus produtos, conversaram com agricultores e engenheiros alimentares, e almoçaram ao ar livre numa quinta. O evento foi transmitido para uma audiência global.

Segundo Michelle Orlando, “já não se trata de escolher o destino mais luxuoso ou o jantar mais extravagante, mas sim das histórias que contamos através dos lugares, da clareza emocional que transmitimos e do significado duradouro que proporcionamos”.

Esta evolução das viagens de incentivo é um espelho das tendências do turismo de luxo: menos ostentação, mais autenticidade, personalização e propósito.

Portugal e o Norte: Oportunidades para captar o turismo de luxo

O segmento de luxo encontra em Portugal uma resposta diferenciada: experiências autênticas, tradição, exclusividade e um serviço personalizado. Destinos como o Porto e Norte têm conquistado viajantes exigentes, não só pela oferta de hotéis de cinco estrelas e restaurantes Michelin, mas também pela autenticidade do património, a excelência da enogastronomia e a possibilidade de vivências únicas – desde provas de vinho em quintas e caves centenárias a experiências imersivas, como cruzeiros ao pôr-do-sol, passeios de helicóptero ou estadias em quintas vínicas de referência.

A região do Porto e Norte destaca-se ainda pela forte identidade cultural, património UNESCO, marcas distintivas como o vinho do Porto, arquitetura de renome e a proximidade a cidades históricas. O Douro, em particular, oferece exclusividade e tranquilidade, com alojamentos sofisticados e experiências tailor-made, muito valorizadas pelo novo turista de luxo.

O investimento em qualidade e a aposta em experiências autênticas têm resultado numa crescente procura, refletida no pipeline de novos hotéis de luxo, muitos deles em edifícios históricos reabilitados, e no aumento da oferta de experiências gastronómicas de topo. O Porto apresenta uma taxa de ocupação hoteleira de 74% e um crescimento do RevPAR de 4%, em 2024, pode ler-se num artigo da Hospitality Investor, com base em número do Turismo de Portugal, indicadores que reforçam o potencial da região para captar turistas de alto valor.

Além disso, a região continua a diversificar a sua oferta, com novas unidades de cinco estrelas e restaurantes premiados, como os recentes Blind (Porto), Oculto (Vila do Conde), Vinha (Vila Nova de Gaia) e Palatial (Braga), todos eles distinguidos na mais recente Gala Michelin, reforçando o posicionamento do Norte como destino gastronómico de luxo.

Isto significa também que bandeiras tradicionais para este segmento, como o The Yeatman, em Vila Nova de Gaia, ou o Six Senses Douro Valley, em Lamego, estão cada vez mais acompanhados por outras ofertas, como o The Lince Santa Clara, em Vila do Conde, ou o Vila Galé Collection Ponte de Lima. E estão cada vez mais disponíveis na região outras experiências, como os spas e as termas; as visitas privadas, seja numa visita exclusiva a um Museu ou um concerto privado de fado; uma prova de vinhos do Porto vintage, alguns com mais de 100 anos, acompanhada por um sommelier; um passeio privado pelos trilhos menos conhecidos do Parque Nacional da Peneda-Gerês; ou um workshop exclusivo em que, no final, pode levar o azulejo que fez para casa, só para dar alguns exemplos.

A perspetiva de Mónica Seabra-Mendes

Se é certo que o próprio conceito de turismo de luxo tem vindo a evoluir, ele continua a surgir muitas vezes associado ao retalho de luxo. E uma parte dos viajantes do segmento continuam a ter apetência por este tipo de shopping.

Em 2023, a diretora do Programa Executivo de Gestão do Luxo da Católica-Lisbon, Mónica Seabra-Mendes, dizia, em entrevista ao site daquela Universidade, que o mercado de luxo em Portugal é ainda pequeno, mas está em crescimento e a atrair marcas internacionais relevantes, dando o exemplo da abertura da Dior em Lisboa.

Contudo, o país continua com poucas alternativas no retalho de luxo, o que limita a instalação de mais marcas – nacionais e estrangeiras. A Avenida da Liberdade é o único eixo com expressão, mas apresenta carências, e não existe uma alternativa de peso. No Porto, a zona dos Aliados começa a afirmar-se neste segmento. Ainda assim, sente-se a ausência de um verdadeiro conceito de department store, elemento comum nas grandes capitais do luxo e promotor do desenvolvimento deste setor.

Do lado da procura, afirmava Mónica Seabra-Mendes, verifica-se um aumento de consumidores portugueses e residentes estrangeiros, embora os turistas ainda sejam a maioria, à semelhança do que acontece noutras cidades como Paris ou Londres. A procura tem vindo a diversificar-se, com a entrada de nacionalidades como a chinesa e a americana, além das já habituais – brasileira e angolana. E, com isto, cresce o interesse por produtos portugueses de excelência, como bordados, mobiliário, artesanato, porcelanas, vinhos, imobiliário, turismo de luxo, hotelaria, experiências e gastronomia.

Quanto aos mercados emergentes, como a Índia, África e América Latina, têm potencial, mas por razões políticas, sociais ou económicas, ainda não se traduziram em mercados consistentes. O Brasil, por exemplo, gerou muita expectativa mas acabou por não corresponder, garante. Assim, os EUA e a Ásia deverão continuar a liderar o luxo global. A área da longevity, health & wellness é destacada como uma nova frente importante no setor do luxo, onde a maior ambição passa por ter mais e melhor tempo de vida.

Na comunicação, as marcas de luxo enfrentam o desafio de falar com as novas gerações sem afastar os clientes mais tradicionais. O equilíbrio entre inovação e fidelidade à identidade da marca nem sempre é fácil, levando a muitas “tentativas e erros”.

Portugal, segundo Mónica Seabra-Mendes, possui fatores únicos – localização, gastronomia, autenticidade, saber-fazer, cultura, segurança e privacidade – que lhe conferem potencial para redefinir o luxo do futuro. No entanto, é necessário distinguir entre “Portugal ser um luxo” e “Portugal ser um destino de luxo”. Para consolidar esta posição, é essencial melhorar infraestruturas, ordenamento, paisagismo, serviço e comunicação, sem perder a identidade nacional.

Conclusão: O luxo do futuro é experiência, autenticidade e impacto

O turismo de luxo já não se define apenas pelo preço ou pelo brilho das marcas. O novo viajante de elite procura experiências transformadoras, impacto positivo e memórias únicas. Para destinos, operadores e marcas, adaptar-se a este perfil é vital para captar um segmento que, embora minoritário em número, é determinante pelo seu contributo económico e pela capacidade de influenciar tendências globais.

Para os empresários do setor, estas dinâmicas representam uma oportunidade clara: captar um segmento de viajantes que valoriza autenticidade, exclusividade e experiências personalizadas, com um poder de compra muito acima da média e impacto direto na cadeia de valor local, desde o alojamento à restauração, passando pelo enoturismo, cultura e experiências de natureza.

O Porto e o Norte de Portugal estão, assim, posicionados para se afirmarem como um destino de referência no turismo de luxo europeu, conjugando tradição, inovação e uma hospitalidade de excelência – fatores decisivos para atrair o novo viajante de elite.

O luxo de amanhã será definido não pelo que se possui, mas pelo que se vive, sente e partilha.

Veja Também...

Fale connosco...

Para esclarecimento de dúvidas e disponibilização de mais informações não hesite em contactar-nos.